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Cinderela adormecida... Tanto trabalho, tantos anos de confinamento no borralho. Agora estou adormecida, sonhando... 3 meses adormecida sonhando com um príncipe. Não sei se ele é real, estou sonhando. Até os defeitos dele parecem imaginários. É tudo encaixado demais.
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A segunda oportunidade de viver a mesma história. De fazer diferente. Nunca vi duas pessoas tão parecidas. Como se uma única alma estivesse dividida, ele e o outro. A mesma profissão, os mesmos gostos, a mesma sensibilidade insensível. A mesma pessoa. Mudando de endereço, aparência, língua. Mas a mesma pessoa. Espero não enconcontrar os mesmos sinistros defeitos que me fizeram chorar quase todos os dias nos últimos 7 anos. Defeitos não, características. Continuo pensando que em grande parte os supostos defeitos eram apenas espelho dos meus. Despreparo total, imaturidade total, impulsividade. Penso que a errada era eu, ele apenas reagia. Chegou o momento de descobrir.
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Tenho a sinistra tendência de colocar meu amado como foco de minha atenção. Sim, quero ser boa, sim, quero ser maravilhosa. Mas o objetivo último é ele. O prazer dele, o orgulho dele. Não é possível ter orgulho de mim se meu amado não se orgulhar. Primeiro ele, depois eu. Era muito frustrante perceber diariamente que estava em segundo plano. Me sentia um sofá, um fantasma. Nem alguém, mas algo. Algo que estaria sempre ali, sempre, absolutamente, presente. Uma matéria desmaterializada e presente. Não dormia comigo, não curtia minha presença. Queria tanto construir um futuro longínquo que nunca chegava, esquecendo de construir o presente. Esquecendo dos pequenos mimos, dos romantismos, delicadezas, minúcias. Quantas vezes senti que estava perdidamente apaixonada e não era compreendida. Que o único homem do mundo que não queria ir pra cama comigo era o que estava dormindo ao meu lado. Sensação sinistra.
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Esse é um grande receio. De viver essa mesma frustração de não ser correspondida dentro da estabilidade de um casamento. "Eu te amo" não é dito pela boca e sim pelo coração, por atos. Essa nova tentativa de príncipe tem o dia-a-dia muito conturbado. De um jeito bem parecido com o anterior. Acorda e vai trabalhar, só pára na hora de dormir, e dormir é bem tarde. Dorme-se pouco, 4, 5 horas por noite. O trabalho é a vida. Vive-se para trabalhar, não trabalha para viver. Era ruim uma solidão presente. Ele passava o dia todo dentro de casa, mas só o corpo, porque ele não estava ali, a mente dele estava trabalhando. Eu não podia atrapalhar, tinha que apenas mostrar-me presente. Dessa vez será diferente, mas não sei se com vantagens. Ele passará o dia todo fora. E eu terei que aprender a conviver comigo mesma.
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Um desafio: pensar em mim. Me colocar como prioridade na minha própria vida. Ter prazeres mais próprios. Acordar, fazer minha ginástica, cuidar bem da minha alimentação, cuidar da minha casa. Aprender Francês, voltar a estudar... Fazer amigos: ur-gen-te. Amigos próprios, gente com quem eu possa contar, que goste de mim independente dele. E trabalhar, trabalhar muuuuito... Quero um ateliê lá, comprar tecidos e aviamentos, fotografar gente na rua, comprar revistas, mandar tendências para o Brasil, levar tendências brasileiras pra lá. Misturar tudo e fazer uma boa bossa. Melhorar lá para melhorar aqui. Quero terminar a minha faculdade e voltar a estudar moda. Fazer cursos de especialização... E quem sabe, até puxar matérias do Senai. Quero ser uma boa profissional da moda, já que esse é o caminho que escolhi. Acredito no meu talento e no talento da minha mãe. Ainda vamos fazer muitas coisas juntas, muitas. Realizar muito.
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E escrever... Me dedicar mais a escrever. Um tempo mínimo diário. Tenho tanto a contar... Tantas histórias começadas e nunca terminadas. Tantos roteiros na cabeça. Tanta história da minha vida pra passar. Experiências, ensinamentos. Quero escrever, quero viver. É como se a moda fosse o meu corpo e escrever fosse a minha alma. Assim eu quero me realizar: estilista e escritora. E mãe de uma família linda ao lado de um príncipe amoroso e compreensivo. Indo à Igreja aos domingos e vendo muitos filmes. Viajando. Conhecendo culturas. Sendo muito feliz em conjunto. Compartilhar sempre.
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Hoje não vou de música, vou de poesia. O mestre maior, Fernando Pessoa, falando profundamente sobre o auto-conhecimento.
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"Eros e Psiquê
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Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
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Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
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A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
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Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
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Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
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E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
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E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia."
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Lindamente recitado por Maria Betânia em:
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Eu amo o Romain. Mas ainda tenho muito a me descobrir.
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